Clustering como ferramenta de otimização aplicada à Ação de Ressuprimento Aéreo

Aplicação do Algoritmo K-Means para definir o ponto ideal do lançamento de carga.

Bruno Brasil Faceira
10 min readMar 28, 2023
Aeronave KC-390 em missão de Lançamento Aéreo

O Ressuprimento Aéreo é a ação de Força Aérea que consiste em empregar Meios Aeroespaciais para entregar equipamentos e suprimentos que dão suporte as tarefas de Sustentação ao Combate e Apoio as Ações de Estado, por meio da técnica de Lançamento de Carga. Está técnica, realizada a bordo das aeronaves da Aviação de Transporte, passa pelo cálculo do ponto em que deve ser comandado o lançamento. Este ponto, denominado Computed Air Release Point (CARP), é calculado a partir de diversos parâmetros, entre eles os de voo da aeronave, balístico do paraquedas e os meteorológicos. Devido as imprevisibilidades de fatores meteorológicos, como intensidade e direção do vento, o processo de decisão do ponto de lançamento pode ser equivocado, fazendo com que a carga atinja um ponto de impacto afastado do objetivo, colocando em risco o cumprimento da missão.

Desta forma, este artigo apresentará a aplicação de clustering como ferramenta de otimização para o cálculo do ponto ideal do lançamento de carga.

Lançamento Aéreo

O objetivo de um Lançamento Aéreo de passagem única é implantar pessoal ou equipamento em apoio às operações de combate e ajudar na recuperação ou reabastecimento de pessoal em um ambiente hostil. Essa técnica minimiza o tempo de exposição na área de lançamento, e seu emprego adequado depende da precisão de uma Zona de Lançamento (ZL) e do local de Ponto de Impacto (PI).

Lançamento de Aéreo com a aeronave KC-390

Computed Air Released Point (CARP)

O Computed Air Released Point (CARP) é um método de cálculo básico para determinar o ponto de qualquer Lançamento Aéreo de baixa altura com cargas não guiadas. A solução do CARP é baseada na balística média do paraquedas e pelo princípio da navegação estimada, o que facilita o planejamento de missão antes e durante o voo.

Durante a queda, a carga passa por três fases distintas, começando quando é dada a autorização do lançamento.

  • Saída (Exit): Quando há o movimento da carga a partir de sua estação para a porta de saída. A carga está sujeita exatamente ao mesmo movimento que a aeronave (velocidade no solo e trajetória).
  • Balística (Ballistic): É o movimento que ocorre assim que a carga sai da aeronave até a sua estabilização (deslocamento horizontal e vertical com velocidade constante).
  • Estabilizada (Stabilized): Vai da final da fase balística até o momento em que atinge o solo.
Fases do Lançamento Aéreo

O processo do cálculo do CARP leva em conta os dados balísticos do paraquedas, os parâmetros de voo da aeronave e as condições meteorológicas da Zona de Lançamento. Esses dados passam por uma formulação matemática que define a posição ideal do lançamento. Para facilitar o estudo, o cálculo matemático será omitido e mais a frente será representado por uma função.

Processo de definição do CARP

Sendo assim, se o ponto de lançamento calculado for idêntico ao ponto de lançamento ideal, dado a imprevisibilidade meteorológica, a carga atingirá exatamente o ponto de impacto desejado. Caso contrário haverá um erro gerado.

Erro gerado pela diferença entre o CARP ideal e o calculado

Tratando a Zona de Lançamento como um plano cartesiano em que o alvo corresponde a coordenada x e y iguais a zero, é possível definir a eficiência do lançamento, a partir do cálculo da distância euclidiana entre o ponto de impacto obtido e o ponto de impacto desejado. A distância entre dois pontos A (𝑥1,𝑦1) e B (𝑥2,𝑦2) é uma função definida pela equação abaixo:

De outra maneira, a distância euclidiana entre o ponto de impacto obtido e o ponto desejado, pode ser calculada medindo a distância entre o CARP ideal, aquele que corresponde a distância entre os pontos igual a zero, e o CARP calculado, o ponto em que é realmente realizado o Lançamento Aéreo e que pode incorrer em algum erro, seja por parâmetros da aeronave como velocidade e altura ou por fenômenos meteorológicos, como direção e intensidade do vento.

Se o CARP calculado não for igual a o CARP ideal, a distância entre os pontos será maior do que zero e pode ser verificada, conforme imagem e equação abaixo.

Distância Euclidiana entre dois pontos em um plano cartesiano

Clustering

Clustering é a tarefa que identifica instâncias semelhantes e as atribui a agrupamentos, ou seja, grupos de instâncias semelhantes. Este método é comumente utilizado em inúmeras áreas da ciência para categorizar entidades, como objetos, animais e indivíduos, em grupos que são homogêneos ao longo de uma série de características observadas.

A utilização de métodos de geração de agrupamentos (clusters) é justificada por ser de fácil implementação e, por produzir resultados que podem orientar a aplicação de procedimentos mais rigorosos.

Os processos de agrupamento incluem: métodos hierárquicos, partições rápidas, modelos de mistura, métodos de soma de quadrados, entre outros. Cada um deles com propriedades distintas que podem ser aplicados em diferentes contextos.

Nos métodos não hierárquicos, o número desejado de agrupamentos k deve ser predefinido, para que n observações sejam agrupadas em k agrupamentos homogêneos internamente e heterogêneos externamente. Para essa proposta, o algoritmo k-médias (K-Means), como um método de soma dos quadrados, é um dos mais conhecido

O método visa separar os dados em subconjuntos de forma que a variação mínima seja alcançada dentro dos clusters. A medida k-médias de similaridade é baseada na distância euclidiana e, a função a ser minimizada é a soma dos quadrados dos erros dentro dos clusters.

Processo K-Means com 3 Clusters

O algoritmo de agrupamento K-Means apresenta a seguinte formulação:

Seja S = {𝑥1, . . . , 𝑥𝑛} um conjunto composto por N vetores, representando amostras a serem separadas em K conjuntos 𝐶𝑗 mutuamente exclusivos onde j = 1,…, K. O algoritmo 𝑗 procurará minimiza a soma da distância euclidianas entre os pontos e os centroides, dado pela equação:

Onde 𝜇𝑗 representa o centroide do conjunto Cj, que é definido por:

Esse problema pode ser resolvido por um procedimento de otimização iterativa em dois passos. No primeiro passo é feita a atribuição dos pontos aos agrupamentos e no segundo passo os centroides dos clusters são atualizados, levando em consideração as alocações correntes. Isso conduz ao seguinte algoritmo:

Dado os K centroides dos agrupamentos 𝜇1,𝑡, … , 𝜇𝐾,𝑡 na iteração t, calcula-se 𝜇1,𝑡+1, … , 𝜇𝐾,𝑡+1 pelos seguintes passos:

  1. Alocação dos pontos aos agrupamentos: Para cada i = 1,…,n ponto, aloca-se 𝑥𝑖 ao agrupamento c de forma que 𝜇c(i),t seja o centroide mais próximo de 𝑥𝑖 tomando como critério a distância euclidiana.
  2. Atualização dos centroides: Para s = 1,…, K faz-se 𝜇c(i),t +1 ser a média de todos os 𝑥𝑖 alocados a 𝜇c,t . Finaliza-se quando 𝜇c(i),t +1 = 𝜇c,t , onde c = 1,…, K.

A partir desses passos é possível determinar a posição do centroide e a Média da Soma dos Quadrados (MSE), média esta, que é desejado minimizar na otimização.

Materiais e métodos

Para o artigo em questão, tanto os dados balísticos, quanto os parâmetros de voo da aeronave serão constantes, de forma que o estudo possa ser replicado para qualquer tipo de paraquedas, de carga e de aeronave.

Diferentemente desses fatores contribuintes para o cálculo do CARP, as condições meteorológicas, tais como, intensidade e direção do vento, não podem ser controladas. Sendo assim, o uso da otimização com cluster permitirá identificar o melhor ponto de lançamento, no qual, mesmo com as variações imprevisíveis do vento, o erro entre o ponto de lançamento ideal e o calculado, definido pela distância euclidiana entre pontos, será o menor possível.

Assim, foram coletados por meio do Instituto Nacional de Meteorologia — INMET, dados de intensidade e direção do vento, referentes a cidade de Campo Grande — MS entre os anos de 2001 e 2021, totalizando 76.023 dados primários e observacionais. A variável intensidade do vento está definida em metros por segundo e a variável direção do vento está definida em grau. Os valores médios encontrados foram, até o ano de 2020, de 3,45 m/s para velocidade e 31° para a direção do vento.

Para a visualização e o cálculo matemático foi utilizado a linguagem de programação em Python, na qual a função F(i,d) = (x,y), onde i e d representam a intensidade e direção do vento respectivamente, originam a coordenada (x,y) em um plano cartesiano, referente ao ponto de impacto atingido por um lançamento.

A partir da função mencionada, pode-se definir a lógica de simulação que será constituída de um experimento, onde cada dado do INMET do ano de 2021, dados estes que não fizeram parte da análise exploratória e que servirão como teste, determinará as condições meteorológicas do ambiente simulado encontrado pelo lançador, que por sua vez irá realizar
o lançamento no ponto indicado pelo cálculo do CARP, utilizando as médias de velocidade e direção do vento (3,45m/s e 31°). Com isso será possível avaliar a eficiência do lançamento aéreo, a partir das variações do vento tomando-se a média como referência.

Implementação K-Means e Resultados

Aplicando o método supracitado teríamos o seguinte resultado:

Lançamento com dados do INMET de 2021

Para cada condição de vento obtém-se uma coordenada referente ao ponto de impacto obtido. Porém foi adotado a média das condições do vento como um fator decisivo para a escolha do ponto de lançamento. Será essa a melhor decisão?

Para verificar essa condição, foi aplicado o algoritmo K-Means com a criação de apenas um cluster. Desta forma, é possível verificar se a posição do alvo (PI) corresponde a mesma posição do centroide do cluster, sabendo que esta posição é aquela que minimiza as distâncias euclidianas entre o ponto desejado e o obtido.

Na figura abaixo observa-se que a posição do PI não corresponde a mesma posição do centroide.

O centroide é o ponto onde a Média da Soma dos Quadrados (MSE) é a menor possível

Quando as posições não são as mesmas, significa que o ponto de lançamento precisa ser otimizado, de forma que o alvo obtenha a menor distância em relação os pontos de impactos obtidos pela simulação, esse novo ponto será chamado de CARP Calibrado. A figura abaixo apresenta o processo de reajuste da posição do lançamento.

Processo de reajuste da posição do CARP

Realizando novamente os lançamentos com o CARP Calibrado, obtêm-se na tabela abaixo com os valores descritivos para os erros em metros.

Pelo o resultado acima, percebe-se o CARP Calibrado obteve uma menor Média da Soma dos Quadrados (MSE), porém a distância máxima não foi tão diferente do que tomando-se a média. Para melhorar o resultado, pode-se refazer o procedimento com 2 clusters.

Aplicando K-Means com dois Clusters

Na figura acima, verifica-se que aumentando a quantidade de agrupamentos, é possível entender as condições que ocasionaram determinadas dispersões e reavaliar novos centros de massa com menores MSE, criando assim, novos CARPs Calibrados.

Sendo assim, a decisão para utilizar o CARP Calibrado do cluster azul será quando o vento apresentar direção maior que 45° e para o laranja quando for menor. As figuras abaixo apresentam os resultados visuais dos lançamentos e os resultados descritivos.

Lançamentos para o cluster azul e o laranja
Resultados obtidos

Com a aplicação da otimização com clusters, 99% dos lançamentos obtiveram pontos de impactos dentro de uma área de 50 metros e 50% dos resultados foram abaixo de 15 metros. Definir pontos calibrados, através da otimização, para diminuir a dispersão dos lançamentos de carga em torno do alvo, mostrou-se eficiente ao lidar com variáveis não controladas e complexas de serem determinadas.

Conclusão

A “clusterização” como forma de otimização e auxílio a tomada decisão, torna o processo de lançamento mais simples, como no caso da última figura, onde somente a direção do vento foi determinante para um bom lançamento, dado que os fatores controlados como altura e velocidade da aeronave foram respeitados.

Além das vantagens em relação a dispersão dos lançamentos, esse método se mostrou um avanço nas técnicas de Lançamento Aéreo por possibilitar o lançador, que utiliza referências visuais, a definir uma coordenada geográfica referente ao ponto calibrado que o auxilie a bloquear a posição exata sem erros laterais e longitudinais do ponto de lançamento, tirando assim, o erro do fator humano durante a pilotagem.

Uma desvantagem do clustering é que ele não garante a solução perfeita. Diferentes pontos de partida podem dar origens a diversas soluções e é impossível determinar se a melhor solução foi alcançada. Porém, o valor da função objetivo da solução encontrada por esse método não é muito diferente do que o valor da melhor solução, sendo, portanto, uma boa aproximação da mesma.

Referências

AIRBUS. C-295M training manual AIRDROPS: FOBN-015. Madrid: Airbus, 2019.

Faceira, Bruno Brasil. Análise da Influência dos Erros dos Parâmetros de Voo e das Condições Meteorológicas na Eficiência das Ações
de Ressuprimento Aéreo.
São José dos Campos, 2022. 58f.

GÉRON, A. Hands-on machine learning with scikit-learn, keras, and tensorflow. 2. ed. Sebastopol: O’Reilly, 2019

Espero ter contribuído com algum conhecimento e deixo meu LinkedIn para demais interações ou dúvidas sobre o assunto ou códigos em Python.

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Written by Bruno Brasil Faceira

Pilot & Operations Analyst at Brazilian Air Force.

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